Sobre o Dia Mundial da Vaporização
“Os fumadores fumam pela nicotina mas morrem pelo alcatrão”, afirmou M. Russell, em 1976, sem provavelmente suspeitar que essa frase seria – teria que ser – repetida vezes sem conta no século XXI.
Hoje é reconhecido por todos que o problema do tabaco não reside na nicotina – em si, uma substância que, embora aditiva, não é cancerígena – mas sim no processo associado tradicionalmente ao seu consumo, que envolve a combustão de folhas de tabaco. O que não existia ao tempo de Russell, e que a (r)evolução tecnológica das últimas décadas possibilitou, era um produto como os cigarros eletrónicos, que permitem, precisamente, consumir nicotina sem recorrer à combustão de folhas de tabaco, assim evitando os riscos associados ao fumo.
Tendo-se conseguido separar os dois elementos da equação mortífera do tabaco, a nicotina e o fumo, seria de esperar que a descoberta dos cigarros eletrónicos fosse recebida de braços abertos por quem de há muito se dedicava, e com especial afinco, à “luta contra o tabaco”. Afinal, não está em causa mais do que o consumo de nicotina, nicotina essa que já se admitia – e continua a admitir – que figure em medicamentos de cessação tabágica. Aliás, convém não esquecer que, aquando da aprovação da Diretiva sobre os Produtos do Tabaco, em 2014, a proposta da Comissão Europeia – com o apoio da OMS – foi precisamente a de que os cigarros eletrónicos fossem classificados como medicamentos. O Parlamento recusou, e bem, essa proposta, admitindo que continuassem a ser produtos de consumo, de produção e venda não restritas.
Porém, como se sabe, os cigarros eletrónicos têm sido objeto de uma luta sem tréguas. Na linha da frente encontramos, paradoxalmente, os arautos da saúde pública, que repetem, de há anos, os mesmos argumentos – “não há estudos suficientes”, “não está comprovado que ajude a deixar de fumar”… –, e isto quando não divulgam mesmo informação cientificamente errada.
Hoje, contudo, a situação não é a mesma: há estudos, muitos, e sabe-se hoje que os cigarros eletrónicos são, pelo menos, 95% mais seguros do que os cigarros tradicionais. E os exemplos de quem deixou de fumar estão aí, basta que haja vontade de diálogo.
Porém, enquanto outros países, como a Inglaterra, já reconheceram o potencial dos cigarros eletrónicos e colocam-nos ao lado de outras formas de cessação tabágica, por cá continuamos, ano após ano, a colocar os cigarros eletrónicos ao lado dos cigarros tradicionais. E, assim, chegamos a mais um “Dia Mundial sem Tabaco”, atacando o produto que não contém tabaco e que serve para deixar de fumar. O paradoxo é evidente e é tempo que a Direção-Geral da Saúde compreenda que a sua política de negação da evidência custa vidas.
É importante, por isso, criar o Dia Mundial da Vaporização, e fazê-lo, precisamente, no dia Mundial sem Tabaco. E continuar a batalhar, até que a DGS compreenda que os cigarros eletrónicos não fazem parte do problema mas sim da solução.
Mafalda Carmona
Professora universitária/ Advogada